segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

PALHAÇO EU??

fotoarte camilla crepaldi
Texto do jornalista Edmilson Conceição, nascido mané, mas ainda residente no Paraíso em São Paulo, de onde envia seus pitacos.

O presidente nos estertores do mandato mandou a gente respeitar as urnas. Tá certo. Ele falou que quem precisa de escola são aqueles que não respeitam o deputado mais votado do Brasil. Não ta muito certo, mas entende-se: o voto Tiririca ajudou a levar para a Câmara mais uns dois ou três aliados do presidente. E conquistar aliados é a primeira lição de quem quer ser grande, ensinava um bem-sucedido chanceler alemão do século 19, Otto von Bismarck.
Voltamos então ao tempo em que “o primeiro dever de um político é ganhar eleição”? Vencer, seja como for? Ou com quem for? Então tá.
Pouco depois da exortação do presidente em vascas, um juiz eleitoral faz uma prova e comprova que Tiririca merece o tratamento de Sua Excelência. Vai ser legal: “Vossa Excelência não passa de um palhaço!…” Tiririca erra 8 em cada dez palavras que escreve, demora 8 minutos para ler uma manchete de jornal e não entendeu nem 0,8% do texto “jurídico” que a trancos e barrancos leu. Foi o que admitiu o julgador. Ou seja, Sua Excelência é um típico analfabeto funcional. Mesmo assim foi aprovado como deputado federal. Isto é: vai fazer leis. Quer dizer: vai me obrigar, como cidadão, a cumprir aquilo que ele escrever sem ler, sem saber e sem entender. E daí? Escreveu e não leu, o que interessa é que o palco é meu…
Estou bem arranjado. Justo eu, que já vivia preocupado com outro aforismo de Herr Bismarck, de que não deveríamos querer saber como são fabricadas as leis e as salsichas. Então tá, de novo. Acontece que eu estou convencido de que Sua Excelência Tiririca não é o pior dos “picaretas”. (Foi assim que um dia o atual futuro ex-presidente referiu-se a uma horda de então trezentas excelências.) A despeito de ter sido uma enorme piada de um povo eleitoralmente pouco funcional, o novel deputado não vai boiar mais que alguns dos seus pares passados, atuais e futuros. Isso tem sido provado semanalmente pelo programa do solerte ex-repórter replicante Ernesto Varela (ou, como queiram, Marcelo Tas) e sua alterego Mônica Iozzi: tá cheio de baiacu eleito, comendo tolete e arrotando salmão. Isto é: não lêem, não entendem e não querem nem saber o que é que estão fazendo na salsicharia. Muitos, quando sabem, é pior ainda.
Sinceramente, não sou desses que preferem ser esfolado por um doutor que te engana do que ser bem atendidos por um curandeiro que pensa e cura tuas feridas. Ao contrário, sou dos que defendem com ardor o fato de um torneiro mecânico ter chegado aos píncaros da política deste país, superando uma história que vem desde que o bispo Sardinha foi saboreado pelos tupinambás. Burradas e trapalhadas à parte (fique bem claro que não estamos absolvendo nada nem ninguém), poucos fizeram mais por esta nação que o operário que se despede do trono.
Agora: que ta difícil de aguentar esse analfabetismo funcional campeante, isso tá. Que tá demorando para sarar essa infecção, não há dúvida. Não só na política, não. É ortopedista que não sabe o que é um fêmur, construtor que ignora que palha de arroz não é concreto, bacharel em física que confunde radioisótopo com isotônico, advogados iluminados pelo craque, enfermeiras que aplicam vaselina por soro em veia de menina… por aí vai. Seria de morrer de rir, se não fosse de matar de verdade. Somos um país de analfabetos funcionais.

Vamos lá, palhaços, iletrados...

Melhoramos, nos últimos oito anos? Sim. Basta ver que na recente avaliação do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), passamos da 58ª para a 55ª posição. Dentre 65 países avaliados, valha-me Deus! E valha-nos, quem sabe, Sua Excelência Tiririca. Por exemplo, estabelecendo metas ousadas de educação. No Pisa deste ano, fomos a 401, além da meta de 395 pontos. Quem sabe possamos fixar a meta em 600 ou 800? Palhaços podem ousar, sem medo do ridículo. Talvez toda essa sofrível zorra educacional seja mais evidente – não maior – porque nós, povo, tenhamos hoje os olhos mais abertos. Talvez.
Talvez estejamos até mais inteligentes ou espertos, só porque a internet clareia para nós alguma coisa. Por exemplo, pelas mãos de um celerado australiano descobrimos (brasileiros e dezenas de outros países) a doçura angelical com que somos manipulados e tratados na intimidade pela diplomacia dos donos do mundo. Supostos donos do mundo.
Talvez, compadres, não estejamos entendendo nada do que se escreve. Talvez porque estejamos anestesiados por tanta imagem, tantas “crianças chorando” enquanto agridem e matam transeuntes na madrugada paulistana, pataxós na bruma brasiliense  ou moradores de rua nas noites alagoanas. Mais escola vai resolver? Mais leitura? Quem sabe…
Talvez nós, que escrevemos em excesso na internet, sem perceber que usamos tempo demais e temos tempo de menos, não percebamos que uma palavra vale muito mais que mil imagens. É verdade que as revistas de caras e nádegas estão bombando de anúncios. É o sinal claro de quem quer ver, não ler. Mas convido, a quem queira entender, a fazer comigo uma nova leitura do fenômeno Tiririca.
Sua Excelência não pode ser vista como o fim do mundo. É o começo. Nós, idiotas cabeçudos, que achamos que tudo sabemos porque escrevemos e às vezes entendemos o que lemos, podemos acreditar que Tiririca é a solução da charada de quem atirou no que viu e matou a que não viu. Sua Excelência pode nos fazer voltar todos para a escola. Voltarmo-nos para a escola. Uma nova escola, como a de totens de internet banda larga em cada esquina, gratuita, como a coreana, só para não termos que reinventar a roda.
Vamos lá, palhaços, iletrados, deputados, empreendedores. Já expurgamos a fome, ou quase, expurguemos de nós os adolescentes chorões que agridem com lâmpadas queimadas os diferentes e o mendigos. Vossa Excelência pode contar comigo, Deputado Tiririca. Quero ser mais um, que não lhe dei meu voto, mas lhe empenho minha fé. Podemos ser um milhão e meio de assessores, mais um, voluntários a tomar conta do palco e a lutar contra o analfabetismo mental. Queremos tomar o palco ao seu lado. Não somos só a eterna platéia que bate palmas ou ruge e em seguida vai dormir.
E viva o palhaço, que em vez de uma piada eleitoral de mau gosto pode ser um projeto de muito bom gosto.
Viva o palhaço, que sabendo só cair, pode levantar este País.

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